setembro 29, 2006

A proteção jurídica do 'trade dress' na Justiça

Simone de Freitas Vieira, advogada do escritório Matos & Associados escreveu interessante artigo sobre o reconhecimento à proteção do "trade dress" pelo poder judiciário, publicado no Jornal Valor Econômico de hoje. A seguir a íntegra do artigo:

A proteção ao conjunto-imagem - ou a proteção da aparência - de produtos e serviços vem se tornando cada vez mais relevante no mercado competitivo. Não raro, a aparência de determinado produto ou serviço é de tal modo forte e inovadora que adquire uma distintividade própria, garantindo-lhe, tal como a marca, a individualização perante outros semelhantes. Deste modo, é comum identificarmos um produto apenas pela impressão visual de seu invólucro, antes mesmo de identificarmos sua marca. O mesmo pode ocorrer com estabelecimentos comerciais, quando eles reúnem um conjunto de características visuais tão peculiar que garante ao consumidor a certeza de qual se trata.

É o que a doutrina da propriedade intelectual conceitua como "trade dress", cuja proteção contra uso e reprodução indevidos, embora não tenha previsão específica no ordenamento jurídico, se dá, plenamente, no âmbito da repressão à concorrência desleal.

A identificação visual de um produto ou um serviço ocorre pela utilização de inúmeros elementos que o diferenciam dos demais: marca, formato do vasilhame, apresentação visual da embalagem do produto ou de estabelecimento, combinação de cores, fontes e disposição das palavras, propagandas etc. Enfim, toda uma gama de características peculiares que imprimem individualização suficiente, permitindo que o consumidor identifique o produto ou o serviço. Um exemplo de infração se dá quando uma empresa imita o conjunto-imagem da embalagem do produto de outra empresa que já usufrui de aceitação no mercado por meio da reprodução de seus elementos.

Determinados ramos comerciais, em função da própria competitividade e da proximidade com o público em geral, apresentam características e elementos visuais similares e, até mesmo, idênticos, resultantes da tendência de mercado aplicada para a caracterização visual deste tipo de produto. É o que, por exemplo, ocorre com produtos alimentícios e cosméticos. É comum que os vasilhames de produtos à base de tomate usem a cor vermelha, ou que as embalagens de tinturas para cabelos apresentem modelos com alusão à sua tonalidade. Neste caso, evidentemente, não há que se falar em exclusividade de uso dessas características, isoladamente, tendo em vista que o seu uso é generalizado, retirando a característica de distintividade inerente à proteção ao trade dress. No entanto, não está excluída a cautela do fabricante em diferenciar, de modo suficiente, o seu produto dos demais existentes, a fim de afastar o risco de confusão.

Portanto, para a constatação do trade dress de produtos ou estabelecimentos comerciais e a garantia de sua proteção e exclusividade de uso, a análise de suas características visuais deve ser realizada em seu conjunto e não por seus elementos isolados.

A apreciação desta matéria pelos tribunais internacionais ganhou sua primeira maior repercussão em 1992, no julgamento, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, do célebre caso Two Pesos versus Taco Cabana. Naquela demanda, uma famosa rede de lanchonetes de fast food americana, denominada Taco Cabana, moveu uma ação com a finalidade de coibir o uso indevido, pela empresa Two Pesos, atuante no mesmo ramo, da roupagem de seu negócio - o trade dress. No julgamento do caso, a Suprema Corte americana entendeu que o ambiente e as características visuais daquele estabelecimento eram originais ao ponto de lhe ser conferida uma proteção especial à exclusividade de seu uso.

No Brasil, é cada vez mais freqüente a apreciação da matéria, com a repressão da concorrência desleal ou de garantia da livre concorrência, conforme o caso, já não sendo raras as decisões referentes à proteção do trade dress na configuração visual de embalagens, estabelecimentos comerciais e, até mesmo, peças publicitárias. No entanto, uma vez que a solução desses conflitos não se dá pela aplicação de dispositivos legais específicos, há a dificuldade em afastar análises puramente subjetivas dos conjuntos visuais submetidos ao confronto. Nesta comparação, a familiaridade do avaliador com o ramo de mercado daquele produto pode configurar um fator relevante, razão pela qual o conjunto probatório a ser produzido é de suma importância.

Felizmente, nossos tribunais têm se manifestado no sentido não só de coibir o plágio de conjunto-imagem passível de proteção e o seu aproveitamento ilícito por terceiros, mas também de afastar o risco de confusão ao consumidor.

Determinados ramos de mercado estão sujeitos à convivência de seus produtos com outros de conjuntos visuais similares, pela repetição de elementos de uso comum. Mas até mesmo nesses ramos a criatividade e a inovação podem ser grandes aliadas no alcance da distinção visual de produtos ou serviços. O planejamento da aparência de um produto ou serviço deve ser encarado, cada vez mais, como uma ferramenta imprescindível para o seu sucesso no mercado, tendo em vista que é fator decisivo para sua individualização perante a concorrência e, por conseqüência, sua proteção jurídica.